15 de fev. de 2012

O Fanatismo !

"O diabo empalidece comparado a quem dispõe de uma única verdade" (Emil Cioran)

“... todos os crentes parecem escandalosos e indiscretos: procura evitá-los" (Nietzsche).


Em nossa época, supostamente dominada pela ciência e pela tecnologia, o fanatismo parece ser uma reação made in recalcado do inconsciente da humanidade. Fanatismo, vem do latim fanaticus, quer dizer "o que pertence a um templo", fanum. O indivíduo fanático ocupa o lugar de escravo diante do senhor absoluto, que, pode ser uma divindade, um líder mundano, uma causa suprema ou uma fé cega. O fanatismo é alimentado por um sistema de crenças absolutas e irracionais que visa servir à um ser poderoso empenhado na luta contra o Mal. Ou seja, o fanático acha que pode exorcizar pessoas e coisas supostamente possuídas pelo demônio" , "combater as forças do Mal" ou "salvar a humanidade" do caos.

Tendo origem no dogma religioso, o fanatismo não se restringe a esse campo único; existe fanatismo por uma raça, um time de futebol, por um partido político, sobretudo por ideologias revolucionárias quando extrapolam a dimensão racional, sentindo-se guiada pela "fantasia da escolha divina". Foi fanatismo religioso que fez muitos seguirem Jin Jones (Templo do Povo), Asahara (Verdade suprema), David Koresh (Ramo davidiano), Jo Dimambro (Templo Solar) e tantos outros místicos ou charlatães que terminaram causando tragédias coletivas, noticiadas no mundo todo. A história conheceu também os histerismos coletivos da "caça as bruxas", a perseguição aos negros, índios, comunistas, homossexuais, prostitutas. O movimento da Jihad islâmica contra os "infiéis do ocidente" e a "guerra aos terroristas" do ocidente cristão, demonstram que o fanatismo está vivo e atuante em nossa época supostamente "científica" e "tecnológica". Precisamos admitir que, a história da humanidade é também a história dos vários fanatismos dominando grupos humanos, sempre com consequências trágicas. Esse pedaço da história renegado nos causa vergonha, medo e sinalizam alertas para possíveis efeitos negativos no rumo da civilização.


Como disse, o fanatismo atua para além do efeito religioso, mas não extrapola ao campo ideológico como um todo. Há fanatismo entre crentes de todo o tipo, do menos ao mais irracional. Mas, não existe fanatismo racional, em que pese o fato de um certo tipo de razão (instrumental, cínica, etc) também ter cometidos os seus desatinos e crimes . Assim, para o fanático religioso, não basta adorar um Deus visto como Senhor absoluto, é necessário ser soldado dele na terra, lutar pela causa superior, pregar, exorcizar, forçar os "infiéis" ou "divergentes" à conversão absoluta, à qualquer preço. O fanático está sempre disposto a dar provas do quanto sua causa suprema vale mais do que as próprias vidas: dele, de sua família ou mesmo de toda a humanidade. Ele mata por uma idéia e igualmente morre por ela.

Os sintomas do fanatismo


Os sintomas do fanatismo, em grupo, são: orações, privações, peregrinações, jejum, discursos monológicos e martírios que podem terminar com o sacrifício da própria vida visando salvar o mundo das "trevas" ou do que ele entende ser "o mal" .

O fanático não fala, faz discursos; é portador de discursos prontos cujo efeito é a pregação de fundo religioso ou a inculcação política de idéias que poderá vir a se tornar ato agressivo ou violento, tomado sempre como revelação da "ira de Deus" ou "a inevitável marcha da história" ou, ainda, a suposta "superioridade de uns sobre os demais". Faz discursos e não fala, porque enquanto a fala é assumida pelo sujeito disposto ao exercício do diálogo, da dialética, do discernimento da verdade, os discursos - especialmente o discurso fanático - fazem sumir os sujeitos para que todos virem meros objetos de um desejo divinizado; servir ao desejo divino e à produção da repetição de algo já pronto, onde o retorno do recalcado do sujeito faz do Eu (ego) um porta-voz de um sistema de crenças moralistas carregado de ódio em relação ao suposto inimigo ou adversário que precisa ser destruído para reinar o Bem.

Os textos sagrados, tomados literalmente, fornecem a sustentação "teórica" do discurso fundamentalista religioso; com ele, o indivíduo acredita, a priori, estar de posse de toda a verdade e por isso não se dá ao trabalho de levantar possíveis dúvidas, como confrontar com outro ponto de vista, ou desvelar outro sentido de interpretação, ou ainda, contextualizá-lo, etc. O fanático tem certeza e isso lhe basta. Creio porque é absurdo, já dizia Tertuliano. Certeza para ele é igual a verdade. (Segundo Popper, no campo científico, a certeza nada vale porque é "raramente objetiva: geralmente não passa de um forte sentimento de confiança, ou convicção, embora baseada em conhecimento insuficiente", já a verdade tem estatuto de objetividade, na medida em que "consiste na correspondência aos factos", na possibilidade da discussão racional com sentido de comprovação. (Popper, 1988, p. 48).

O problema da religião não é a paixão "fé", mas a inquestionalidade de seu método. O método de qualquer religião traz uma certeza divulgada em forma de monólogo, jamais de diálogo ou debate de idéias. O pastor, padre, rabino, ou qualquer pregador de rua, vivem o circuito repetitivo do monólogo da pregação; acreditam que "vale tudo" para difundir a "verdade única" que o tocou e o transformou para sempre! O estilo fanático usa e abusa do discurso monológico delirante, declarações, comunicados, que jamais se voltam para escuta ou o diálogo, exercício esse que faria emergir a verdade - não a "certeza" .

Todo fanático é intolerante.

O fanatismo é a intolerância extrema para com os diferentes. Um evangélico fanático é incapaz de diálogo e respeito para com um católico ou um budista. Um fanático de direita não quer diálogo com os de esquerda. Organizações como a Ku Klux Klan são intolerantes igualmente com negros adultos, mulheres e crianças. Por isso se diz que há em cada fanático um fascista camuflado, pronto para emergir em atos de exclusão e eliminação.

O semiólogo e filósofo italiano, Umberto Eco, reconhece que o protofascismo está presente nos movimentos fanáticos. No campo político, não importa auto denominar-se de "esquerda" ou de "direita" pode existir um protofascismo. No fundo os atos terroristas são produzidos e sustentados por fanatismos de inspiração místico-fascista incapazes de diálogo ou argumento racional que esclarece sua causa objetiva. Não é sem sentido que os atos terroristas deixaram de dizer algo pela palavra e passaram a ser apenas o ato, o acting out. S. P. Rouanet diz que "os terroristas são agentes de uma ideologia religiosa extrema direita ... que funciona como ópio do povo..

O fascismo, tanto o de Estado dos fundamentalistas religiosos, como o que está pulverizado nos atos do cotidiano das relações humanas, é fanático porque desrespeita, desconsidera, é intolerante quanto ao modo de ser, pensar e agir do outro , é tradicionalista-fundamentalista. Enquanto o fascista "quer o poder pelo poder", há o fanático "autêntico" que anseia dominar o mundo com sua crença, e o "fanático terrorista" que "deseja apenas destruir a estrutura de sustentação do inimigo". Mas, ambos, o fascismo e o fanatismo não são compatíveis com a democracia. Ambos pregam intolerância multirreligiosa, a intolerância multicultural e multirracial e usam o espaço de liberdade democrática para espalhar o seu ódio e sua crença.

O sentimento que no fundo sustenta o fanatismo e o fascismo não é a fé, nem o amor [Eros], mas o ódio [Thanatos] e a intolerância. O desejo do fanático "autêntico" é dominar o mundo com seu sistema de crença cheio de certeza. No plano psíquico, o lugar do recalque torna-se depósito de ódio e desejo de eliminar todos os que atrapalham o seu ideal de sociedade. Certa dose de paciência doutrinada o faz esperar-agindo para que a "idade de ouro puro" possa um dia acontecer.

São tão fanáticos os terroristas-suicidas muçulmanos como os fundamentalistas cristãos norte-americanos que atacam clínicas de abortos, perseguem homossexuais, proíbem o ensino da teoria evolucionista de Darwin, obrigando aos professores ensinarem a doutrina criacionista tal como está na Bíblia, ou ainda, os protestantes da Irlanda do Norte que atacam crianças católicas ou os bascos que querem ser um país independente a qualquer preço, por meio do terror.

Alguns personagens "messiânicos" de nosso tempo, como Hitler, Idi Amin, Reagan, G. W. Bush, Sharon, os grupos dos martírios suicidas do Oriente Médio, entre outros, tem algo em comum: cada um se sente o escolhido para cumprir uma especial missão . Hitler discursou que "as lágrimas da guerra preparariam as colheitas do mundo futuro". G. Bush, na sua ânsia de guerra contra o ditador S. Hussein, não estaria delirando no mesma linha ? Não é sem sentido que os EUA, tem sido o solo fértil de seitas cristãs fanáticas. Uma delas, A Casa dos Filhos de Jeová, torce para o mundo se acabar logo, porque seus membros acreditam que depois surgirá uma nova civilização do Bem.

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